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 . textos para danças (janeiro-maio)

Escolher ser anti-herói, para Paradisaeidae

 

Ao entrar no teatro, o público é recepcionado por duas garotas jovens que se movem como autômatos a repetir poses e frases afirmativas do universo da internet: corações feito com as mãos ou a frase “you go girl” rapidamente nos remetem a memes, figuras feitas por inteligência artificial e fotos retocadas do universo das redes sociais (onde, assim como as performers, mesmo com os seios à mostra é preciso esconder o mamilo para o algoritmo não detectar nudez). São essas figuras, espécie de anjo e diabo de desenho animado, que conduzem o público para o início do espetáculo Paradisaeidae, dirigido por Diogo Granato.

Vemos grande parte do elenco em uma cena sempre parcialmente, freneticamente e quase aleatoriamente iluminada a revelar partes de seu corpo. Também suas roupas possuem aberturas para a pele, de detalhes de perna a peitos e abdomens, o que já é uma primeira evidencia de um desejo de transgressão em um cenário cultural que o grupo parece julgar correto demais (vale notar, porém, que é esse frenesi da luz e dos corpos de peito a mostra que convida parte do público a, logo cedo, sacar seus celulares e filmar)

Assim, o elenco se alterna entre momentos de improviso em grupo - sempre pontuados pela perspectiva acrobática que marca a carreira do coreógrafo - com alguns solos e duos e momentos textuais falados na boca de cena diretamente para o público e em tom de manifesto. O espetáculo é multidirecional, e por possuir uma dramaturgia um tanto linear (alternando-se sempre em texto, improvisações em grupo e duo) muito rapidamente nos vemos jogados em um vazio de exibição performática de corpos jovens em loop – talvez próprio das redes sociais, que o espetáculo parece criticar? Talvez próprio do campo da dança, que muito rapidamente confunde técnica com virtuose?

Tais perguntas surgem porque o espetáculo parece desejar uma posição ambivalente a todo tempo, como se recusasse um direcionamento do sentido (mas se valendo o tempo todo de um direcionamento da imagem). Tal posição possui investidas de fato mais abertas e interessantes: como a dupla de mulheres de vestido longo que abrem e fecham as portas desse inferno e que ficam, por toda a peça, fora da luz e do foco, como guardiãs daqueles avatares de juventude positiva, ou como nos momentos em que a multiplicidade de eventos fica quase circense, convidando a obra a mergulhar no próprio heroísmo que critica (afinal, todo acrobata que vence a morte após a queda é aplaudido como herói de seu próprio corpo).

Mas essa ambivalência também faz com que o espetáculo revele sua fragilidade, notada na recorrência de uma posição binária na peça que pouco responde a multiplicidade de experiencia pela qual advoga (um homem tentando sair do meio de um círculo e sendo empurrado de volta por mulheres, a constância de duos femininos jovens sempre antagônicos a lutar, se bater, competir etc.) ou mesmo nos momentos textuais, como quando uma bailarina afirma em texto final que “o bando não tem cor” - sendo que, no caso da peça, ele tem.  

Sim, a peça recupera um imaginário marginal central para nossa arte contemporânea de décadas atras (lembremos, bastante masculino): não apenas José Roberto Aguilar que a obra cita diretamente, podemos ver lá também Antonio Manuel, Helio Oiticica, Antonio Dias (principalmente a fase inicial de sua produção no Brasil, em vermelho, preto e branco), Victor Arruda, e, claro, Ivald Granato como patronos da figura do artista como um outsider – posição essa que, sem dúvida, perdeu espaço em uma sociedade hiper especializada e profissional. Talvez, na corrente desses pais fundadores, a peça pareça por vezes um ataque a públicos especializados da dança, atacando seus pressupostos também ambivalentes entre o ético e o artístico (que viram prêmios, curadorias e aprovações) para afirmar a posição, de cena, de um outsider que não tem medo de seus desejos e fragilidades.

A questão, que vale pensar para futuras obras, é que essa posição também já foi apropriada. Se em pleno 1968 Helio Oticicica afirmou: “seja marginal seja herói”, hoje essa bandeira estampa camisetas vendidas por 75 reais na internet. Nem toda popstar é a Taylor Swift, e muitas dependem de transgressões pontuais para manter seus públicos engajados em novidades. Deadpool, anti-herói por excelência da Marvel, é o único sucesso estrondoso em um cenário de desinteresse pelos blockbusters de super-heróis, valendo-se de um humor cínico. Muitos políticos que vieram e vem por aí, sabemos bem, se valem da posição de “fora do sistema” e “contra tudo que está aí” para conquistar seus públicos cansados da mesmice. O que nos faz pensar que anti-herói, hoje, não é apenas signo de liberdade, mas também estagnação de uma imagem já, em alguma medida, privatizada.

Visto no Centro Cultural São Paulo

Foto: divulgação

Por isso é que eu danço, para Força Estranha

Em um palco vazio, duas figuras se movem constantemente em uma mesma cadência entre uma corrida e pequenos pulos. Ocupando o espaço que a outra outrora ocupara, surgem gestos simples como levantar os braços ou uma das pernas, ou mesmo mostrar a língua e a palma das mãos. Talvez por estarem vestidas com vestidos de festa com drapeados, saias rodadas e adornos, há algo de infantil ou adolescente nessas figuras. Em “Força Estranha”, de Futura, serão elas que nos guiarão, de forma cinestésica, por toda a peça. Esse ambiente infantil que começa a se desenhar começa a fazer cada vez mais sentido, pois a dança que se apresenta não é uma preocupada com a demonstração de algum tipo de virtuose, técnica ou sentido. É, antes, uma investigação do prazer do movimento e da força que surge dele e, nesse sentido, a criança ou a jovem é uma imagem clara de tal investigação, em um momento da vida onde parece que a energia necessária para mover um corpo é maior que sua própria fisicalidade, e precisa ser gasta de forma intensa. Essa dança entre simples deslocamento e pulo divertido tem a ordem daquelas “que não param quietas”, e aos poucos se desdobra em situações mais conjuntas (e sempre simples): como bater as mãos no chão, girar no eixo segurando as mãos, ou mesmo ensaiar uma dança a dois.

O título da dança se refere à música de Gal Costa, na qual se canta uma resposta à pergunta: “por que canto?”. Aqui, a escavação dessa memória e energia infantis parecem ser uma resposta para uma pergunta semelhante: “por que danço?”. E, na música de Gal, a resposta relaciona visão e tempo: ela vê um menino correndo e vê o tempo brincando ao redor ao redor do caminho, assim como vê uma mulher grávida e o tempo não para para que ela veja. Na dança, é como se pudéssemos ver aquilo que produziu aqueles corpos que hoje dançam de forma profissional. Pois antes dos editais, das prestações de contas, das curadorias e das justificativas, houve em algum momento uma pessoa que se deslocou no espaço e descobriu prazer (ou que descobriu prazer mesmo parada, entre as pernas, na nuca, sob os cotovelos).

Essa pessoa foi convocada por uma força estranha, imprevista, que a toma e faz do seu corpo meio para sua transmissão, querendo ela ou não. Ou seja, não se dança por agência e desejo, mas por heteronomia. Pois devemos lembrar que “Força”, em Hannah Arendt, é diferente de poder, autoridade ou violência. Força, para a autora, é a “energia liberada por movimentos físicos ou sociais”, sendo própria da natureza ou das circunstancias. É algo fora da alçada das dinâmicas de poder entre os humanos, é da ordem do imprevisto e, muitas vezes, do impensado (e que os filmes de terror também exploram muito bem a partir do tema da puberdade, em casos emblemáticos como Carrie, a estranha).

Daí que essa dança, aos poucos, dá espaço para eventos autônomos que a rompem e não estabelecem com ela uma relação funcional. Uma luz verde que não parece iluminar uma cena, mas ser uma luz verde, uma luz que protagoniza uma longa cena, e todo um bloco final na qual as artistas compõem em cena uma grande instalação feita de materiais e objetos diversos onde há ar, fumaça, reflexo, som, luz, água, linóleo, bandeiras e tudo o que poderia constituir uma cena, mas aqui compostos como um bunker-cabana infantil montado debaixo de uma mesa. Se o resultado de tal composição pode encher os olhos, é porque na composição há a força acumulada de seu próprio processo de junção. Na coisa estática que sobra ao fim, e que se oferece silenciosa ao nosso olhar, estão unidos, como cantou Gal, o sol a estrada o tempo o pé e o chão.

Visto no Sesc Avenida Paulista

Jogo invertido, para Bosque

 

Em Bosque, de Clarice Lima/FUTURA, vemos um grupo diverso de pernas nos ares, com os troncos dos performers encobertos por longos vestidos coloridos, cirando uma área circular ao redor de cada corpo. Invertidos, os performers ficam nessa posição pelo tempo que aguentam, por vezes indo ao chão para um necessário descanso após voltar para a posição vertical. Com a sugestão do título, as pernas e pés viram troncos e galhos, que balançam tranquilamente com o vento e, por vezes, desabam. Já as grandes áreas de tecido, por vezes estampadas com flores e por vezes paetês que reluzem ao sol, formam um grande solo colorido que, quando visto de longe ou de cima, torna-se uma grande superfície pictórica que evoca as grandes Hilma af Klint e Tomie Ohtake.

O trabalho, desenvolvimento de performances anteriores de Lima nas quais esse procedimento se dava em menor escala, convida a um diálogo com a própria ideia de monumento, pensando como as artes vivas podem propor ou dialogar com a lógica estática e perene de uma escultura cujo intuito é resistir a tudo. Nesse sentido é muito importante essa forma verticalizante da obra, que muito dialoga com estátuas de imperadores, colonizadores, borbas-gatos e demais figuras que ficam em pé, empunham espadas, carregam coisas. Aqui, tudo é verticalizado como nos monumentos, mas invertido. Não vemos os rostos, pouco importam os indivíduos, e a verticalidade monumental pode, enfim, nessa estrutura, descansar, desistir, recomeçar, cansar, levando a dureza da pedra talhada para a porosidade de um galho e a inteligência de uma folha.

A rua, porém, sempre revela uma camada de discussões imprevistas que vale notar aqui. Como, em meio à toda a porosidade e circularidade da proposta, um dos principais modos de observação, para crianças e adultos, é se interessar por quem vai resistir mais tempo na posição, supostamente “ganhando” o evento? E como subverter tal imperativo da competição que afeta nossos modos de enxergar tudo, mesmo o que não se interessa por ele? Pois, quando por algum acaso do encerramento da peça sobra por um tempo uma última perna nos ares (pois, lembremos, os performers não se veem), uma salva de palmas comemora aquela ou aquele que resistiu, que conseguiu permanecer na pose, como no fim de uma prova absurda do Big Brother. Talvez seja um fenômeno de leitura de mundo maior do que conseguimos dar conta, mas a pergunta de como subverter ou interromper esse processo me parece crucial para uma obra tão contemplativa como essa.

Pois o que parece ser central em propostas como essa é uma ludicidade, que parece bem acertada nas obras para espaços públicos da artista (como Bichos Soltos) e que convida esse grande elenco (outro acerto, sendo algo cada vez mais raro e que não apenas resulta em termos estéticos, mas mobiliza a própria cena, juntando artistas de contextos e formações distintas) para um jogo conjunto da ordem do absurdo, desarticulando a própria lógica competitiva lhe ser próprio, sendo que na verdade o jogo é aquilo que nos permite suspender as convenções sociais por um tempo, invertendo-as como se invertem os corpos em Bosque.

 

Visto no boulevard do Sesc Avenida Paulista

Foto: divulgação

Movimento interno, movimento eterno, para Parque Aquático

Parque Aquático começa de forma leve como seu título sugere. Em um ambiente descontraído, somos recebidos pelas artistas como se estivéssemos de fato chegando em um parque. Com suas roupas azuis e microfones de lapela, o ambiente instaurado aos poucos cria uma tranquilidade que deixa o público em um estado de lazer cada vez mais incomum ao ambiente da dança e do teatro. Recebendo pequenos plásticos redondos cheios de água, rapidamente todo o público encontra-se em uma relação lúdica com tais objetos com movimento próprio, que por vezes parece um órgão de nosso corpo que saltou pra fora ou um recipiente onde vinham os peixes que vez ou outra se ganhavam em gincanas nos anos 1990.  

Após esse breve início, a peça se divide em três blocos: o primeiro, inteiramente no escuro, é guiado por uma voz em off que nos convida a utilizar tal objeto aquoso para sentir nosso corpo, indicando alguns procedimentos simples que serão bastante reconhecíveis por quem já realizou aulas de dança de viés somático. Logo após, vemos o que seria uma possível elaboração de tais procedimentos no corpo das três criadoras, que desenvolvem cenas mais reconhecíveis no campo da dança contemporânea (por exemplo, dançando amalgamadas umas as outras em plano baixo, desenvolvendo sequencias simples em uníssono e improvisando a partir das qualidades aquosas que norteiam o projeto) para, no fim, aos poucos estabelecem um espaço de dança conjunta, próximo a uma balada, convidando o público para dançar junto ou soprar bolhas de sabão.

São diversas as tentativas de materialização desses vasos e canais por onde passam fluidos pelo corpo, assim como dos próprios fluidos: vemos fitas de led vermelhas que as artistas dispõem no chão, vídeos de canais corporais e do mar, as roupas possuem fitas vermelhas costuradas, há adereços que remetem a uma capa de chuva desconstruída, um filtro de água onde o público pode pegar água para beber e mesmo um amontoado de dutos metálicos flexíveis compõem uma sutil instalação suspensa em um dos cantos do palco.

Talvez seja essa profusão de elementos que apontam para o mesmo lugar a principal questão em termos da dramaturgia da peça, pois tudo se apresenta lado a lado desde o início, variando sobre o mesmo tema de forma semelhante ao longo de toda a obra. É essa profusão que também impede que algo mais profundo se desenvolva a partir de algum desses materiais, todos com muita possibilidade investigativa, mas que parecem apenas apresentados, sem muito tempo ou espaço para se desenvolverem com mais fluxo (talvez pingando, escorrendo ou transbordando). Contrária a fluidez do discurso e dos materiais, parece que nenhum material coreográfico ou dramatúrgico foi tomado como eixo central. Por outro lado, talvez essa fluidez em termos de interesse faça parte do próprio tema.

Nesse repertório extenso de abordagens, parece que onde o público mais se conecta é na possibilidade de uma vivencia em conjunto com as artistas. Não que eu pense que a conexão seja necessariamente um fator positivo em peças, mas aqui ela parece se dar com naturalidade, tanto pela tranquilidade do convite, mas também pelo desejo que parece haver em relembrar que sim, temos um corpo que faz coisas em conjunto. Na aridez de um país como o que vivemos, esse tipo de aproximação de dimensão terapêutica sempre foi central (basta vermos a profusão de uma obra como a de Lygia Clark).  Na festa conjunta que marca o fim da obra, onde todos são convidados a fazer algo se quiserem, talvez o mais importante seja o que fica para além do movimento celebratório, mas perceber que, mesmo após ele (e, claro, com sua ajuda), o movimento continua a acontecer de dentro.

Visto nos últimos dias da Oficina Cultural Oswald de Andrade

Foto de Mayra Azzi

Climas imprevistos, para CLIMÃO

Produzido inicialmente como uma obra comissionada para o Sesc Pompeia, o solo CLIMÃO, de Nina Giovelli, parte do universo musical da cantora Letrux. Talvez por isso a estrutura do espetáculo se relacione tão fortemente com a estrutura de um show: não apenas sua encenação recupera o excesso de luzes, os brilhos e a tentativa de captura de atenção pela via da imagem de muitos dos atuais shows, mas também sua estrutura de cenas parece marcada pelo tempo médio de músicas pop, com trechos de diálogos breves com o público, em tom atenuador ou de entretenimento.

O título parece indicar o exagero com a qual a obra dialoga. Não apenas “criar um clima”, mas talvez passar do ponto nessa criação. E nessa hipérbole reside os momentos de maior interesse da peça, quando o exagero e o escracho assumem a forma de materiais coreográficos. Em um momento, por exemplo, a artista chora e ri ao mesmo tempo de forma exagerada, quase infantil e assumidamente produzida, estando também perto demais de seu público, que se torna parte integrante de seu choro sem razão. É nesse excesso de aproximação, gesto e intensidade que a obra parece encontrar seu principal interesse (que muito dialoga com os excessos das letras e músicas de Letrux, que cria uma vida inteira com uma pessoa apenas em sua cabeça em uma de suas mais conhecidas músicas).

A questão é que esse excesso, para gerar o desconforto que se subentende na gíria “climão”, precisa de um investimento físico bastante genuíno e pouco cínico, para que o exagero se torne procedimento e não comentário. Em outra cena, quando a artista canta para alguém de seu público com o intuito assumido de fazer essa pessoa se apaixonar por ela, a opção pela música de Sidney Magal parece desviar a cena de seu suposto intuito, fazendo com que ela rapidamente ganhe a forma de um comentário sobre si mesma e sua própria impossibilidade de efetivação (característica central do cinismo). Vemos aqui a dificuldade de operar com um clichê desses em cena, dado que é necessário um trabalho absurdo para superar sua força citacional e conseguir transformá-lo em outra coisa que opere a favor da peça.

Talvez por isso os momentos mais difusos em termos de corpo e voz mostrem-se mais fortes, criando camadas estranhas entre o pop e o experimental (que flertam entre si há décadas). Línguas a mostra, olhos virados para cima e uma fala cíclica operam melhor no sentido de produzir um “climão” para o público, como se víssemos alguém a atingir um orgasmo repentino em uma mesa de jantar, em um misto de interesse e choque pelo evento.

Sendo que há na peça um interesse assumido e comentado em cena de gerar um engajamento sensorial e sentimental do público, vale ter em vista que todo engajamento físico opera ao lado de uma espécie de repulsão. Salivamos ao ver coisas nojentas, recusamos aquilo que todos acham delicioso, desejamos aqueles corpos que menos esperamos desejar. Isso diz muito respeito à relação com os clichês: eles funcionam, mas nem sempre. Por outro lado, aquele material indefinido, inesperado, que persiste além do ponto e nos vence pelo cansaço talvez seja aquele com mais poder de penetrar em nós de forma que nós mesmos não havíamos previsto. E, para além do mal estrar (ou melhor, climão) que uma situação como essa pode gerar para nossa própria consciência, é aí que moram as experiencias que nos marcam.

Foto de Tetembua Dandara

Corpo em colapso, para “Suscetível”

 

Com o surgimento da performance art nos anos 1960, a estrutura da palestra vem sendo adotada como uma forma de demarcar a centralidade no processo dentro de obras artísticas. Dado que a palestra permite narrar momentos diferentes do processo criativo, impasses, demonstrar caminhos errados e mudanças de percurso, sua forma permite ao mesmo tempo a exibição performática de ações, gestos e danças, e sua contextualização verbal.

É esse o recurso central que Maria Basulto traz em seu solo “Suscetível”, resultado de sua pesquisa de mestrado na Unicamp e que traz em seu subtítulo a definição “dança-palestra” (termo que por vezes varia para “palestra performance”, “palestra performada”, “performopalestra” e vários outros neologismos). Sua estrutura é simples: a artista apresenta, de forma condensada, três materiais coreográficos que desenvolveu para diferentes obras de diferentes criadores ou grupos da cena independente de São Paulo, para se perguntar – e testar fisicamente – como tais materiais coexistem em seu corpo: o quanto resta de um no outro, como eles se complementam e se atritam e como eles partem (e colaboram com) seus próprios padrões de movimento. Enquanto o faz, traz algumas citações breves de pesquisadoras sobre alguns dos temas que fala, o que colabora para o enquadramento acadêmico que a artista deseja dar a obra (anunciado desde a primeira frase da peça, em uma escolha que determina toda sua leitura posterior, reforçando o caráter de demonstração de argumento de toda a obra).

A obra habita limites entre o formato acadêmico e a forma artística, que no campo da pesquisa em artes por vezes, erroneamente, se pensa ser a mesma coisa. Se uma dissertação de mestrado demonstra conhecimento acumulado, trabalhado e organizado sobre determinado assunto a partir de uma hipótese perseguida por determinado período de tempo e apresentado em rito público para uma banca de especialistas, uma obra artística demonstraria o que, de que forma e para quem?

Poderíamos, é claro, falar que demonstraria a mesma coisa, e que não há diferença entre os processos de produção de conhecimento no campo da teoria e no campo do corpo. Mas essa resposta é perigosa, pois dizima as diferenças de dois campos que dependem da fricção entre si para avançarem. Além disso, os ritos de sua demonstração não se destinam a especialistas, pelo contrário: dependem de um público que não se sabe qual é o que sabe.

Nesses limites entre formatos tão distintos a proposta de Basulto encontra seu mérito e seus impasses. A forma metalinguística da obra permite, para o público interessado, um percurso claro por aquilo que uma dança pode expressar sobre seus interesses formais e por aqueles que a executam (nesse sentido, a obra parece dialogar muito bem com Isadora Duncan [2019], do coreógrafo Jérome Bel), inclusive apresentando o gesto performativo de sempre abrir uma garrafa de água sem nunca toma-la como demonstração de um material coreográfico próprio da palestra que é apresentado apenas para ser suprimido, levando também a pura medialidade do gesto para o espaço do discurso. Mas o impasse também reside nessa aproximação que se pensa orgânica entre os códigos da palestra e da dança, pois muito facilmente reduz a dança à uma mera demonstração, tornando-a referente de um argumento que, infelizmente, se abandona ao fim da obra.

Pois a questão central da obra (ou a conclusão da dissertação), me parece, não deve recair na idiossincrasia ou a auto referencialidade da performer de outros artistas sobre si mesma, identificando padrões repetitivos daquilo que reconhece de outros lugares em seus improvisos ou demonstrando a habilidade de trânsito entre materiais coreográficos (que, notemos, possuem semelhanças pelo próprio contexto experimental de onde os três se originam).

A questão é justamente a precarização da cena experimental (aquilo que curiosamente se afirma no fim que não será abordado) como a principal coreógrafa do problema trazido pela peça.  Pois a possibilidade combinatória de diversas habilidades diferentes em um mesmo corpo começa a sugerir aos poucos na cena um corpo exausto, confuso, e que não para nunca de tentar criar algo novo de novo e de novo.  Esse corpo interessa por ser o contrário do corpo palestrante (que acumula conhecimento, senta e o demonstra de forma clara) e, apesar de ser interessante e instigante, na verdade é sintoma de uma extrema precarização. É um corpo que sua, que corre para o ônibus, que confunde a demanda, que tem 3 turnos de diferentes trabalhos. É um corpo suscetível à demanda coreográfica de precisar pagar as contas, e que nos demonstra algo que a academia raramente consegue por sua própria estrutura, mas que algumas boas obras artísticas conseguem: o fracasso de seu próprio modo de produção.

 

Visto no teatro do centro da terra

Foto de Everton Ferreira

Olhe devagar, mastigue com calma, para “Corra rápido, morda forte”

 

O título “Corra rápido, morda forte” se constrói não apenas no imperativo, mas sugere ainda modos de ação da ordem do bom desempenho. Parece se tratar de um manual para heroínas, animais predadores, esportistas e vencedoras. Porém, o que Elisabete Finger nos propõe é justamente o oposto dessas indicações, sugerindo que as relações de dominação e dominado podem ganhar outras nuances para além da forma espetacular dos vencedores e vencidos que pauta nossas vidas do discurso empreendedor aos reality shows.

Em uma cena altamente gráfica marcada pela visualidade da também diretora da peça Manuela Eichner, que vem colaborando em diversas criações da coreógrafa, Finger traz uma coreografia altamente iconográfica, baseando-se na bidimensionalidade de seu corpo e cena para propor uma sequência de hieróglifos. Seu corpo, parcialmente pintado em áreas definidas e com o rosto parcialmente escondido por um longo aplique de cabelos que faz as vezes de trança, crina e serpente, apresenta-se como um corpo entre humano, bicho e divindade, remetendo às imagens que em algum momento vimos na escola de grandes paredes de pedra adornadas com belos desenhos de deuses, animais e humanos no Egito antigo. Essa imagem se reforça pela relação lateral que Finger estabelece em grande parte da obra: vemos seu corpo e rosto de lado, sempre com uma parte oculta, entre risos e olhadas laterais, com códigos precisos de gestos que, sem precisar de muitos elementos, flecham o ar, cavalgam, pedem colo, matam e transam.

É forte ver a materialização de uma linguagem particular da dupla em cena (algo raro na cena atual, na qual as obras parecem se pautar mais em apresentação de assuntos do que em investigações de modos de fazer). Tal linguagem aposta sem rodeios na abstração – ou seja, na redução e na ausência – para propor situações nas quais quem observa precisa completar uma imagem que sempre pode ser uma coisa ou outra. Daí, inclusive, a força dessa parte inicial da dança toda lateralizada, que compreende uma parte invisível, um verso sempre fora do alcance do olhar, que parece ajudar mais a encenação do que quando a partitura se tridimensionaliza, tirando por vezes a força do espaço cênico (composto por um grande fundo e chão brancos e uma faixa laranja com transparência, que com a mudança de luz some e reaparece).

A obra exige não apenas a imaginação, mas a memória de seu público, pois os gestos se repetem e reaparecem em diferentes composições, sugerindo um mesmo horizonte temporal de uma coreografia que recusa todo o clímax e que se pensa o tempo todo como paisagem. O que vamos percebendo, aos poucos, é que a posição de todos os elementos, incluindo o corpo que dança, transita entre predador e presa, figura e fundo, sujeito e objeto: um objeto repleto de penas é jogado em cena em um momento no qual o gesto parece demais com o de um tiro ou flechada, nos sugerindo um abate. Mas, um tempo depois, isso que parecia um pássaro vira – ao mesmo tempo - um chapéu, uma comida e um amante. A artista cria a imagem não para nos mostrar algo, mas para nos devolve-la – algo que fica claro com um pequeno espelho circular que ela acopla a diferentes partes do seu corpo até, no fim da peça, colocar em seu olho: esse espelho parece assumir que toda imagem criada é reflexo de projeções daqueles que olham, e não propriedade daquela que a criou.

O arcabouço de possibilidades entre gesto e movimento aproxima ainda a dança de um universo muito rico e pouco explorado pelas cenas que se pretendem “sérias”: o do desenho animado, principalmente aqueles que percebem que nesse campo da brincadeira infantil está um universo infinito (penso aqui em casos como “Hora de Aventura” ou “O Fantástico mundo de Gumball”, adorados também por muitos adultos pelo bom uso do absurdo e pelo tratamento sem medo de temas profundos). Essa exploração, possível também na dança pela parceria com uma artista visual com profundo conhecimento em colagem e composição, não apenas se direciona a diversas idades pelo mistério das coisas que podem sempre ganhar outra significação (e outra, e outra, e outra...), mas faz aquilo que poucas produções hoje conseguem: nos colocam em um novo campo do sensível pelo simples apreço pela composição e suas infinitas possibilidades, fazendo com que aquilo que hoje entendemos por mundo se expanda. Parece ao mesmo tempo muito pouco e coisa demais, e justamente por isso depende de alguém que observe, de forma ativa e atenta.

 

Visto na casa sp-arte

Foto: divulgação

Etiqueta e gula, para “De bOca Cheia”

 

Em “De bOca Cheia”, vemos quatro mulheres experimentando, de forma continua e gradativa, gestualidades manuais que partem ou que se distanciam nos códigos gestuais vinculados ao ato de fala. Mãos que indicam, que marcam pontos fortes de fala, que convidam à atenção e todo aquele manual que os cursos de boa oratória nos apresentam estão aqui operando como inspiração coreográfica.

Sua dramaturgia propõe um desenho simples: no primeiro bloco as performers se encontram em uma linha reta perto de uma rotunda branca sobre a qual há uma projeção. Lá, cada uma coloca um ovo cru na boca e pressiona o punho com as mãos, criando também com o corpo um circuito fechado entre boca e mãos. Quando esse circuito se rompe, com a abertura das mãos, o repertório de gestos de fala se constrói de forma gradativa, sempre com gestos precisos, retos, objetivos e bem desenhados a ponto de parecerem quase cartoonescos, até chegarem a um clímax de velocidade que culmina na quebra dos ovos em suas bocas e na eventual saída desse espaço que também as configura em uma linha reta. A partir daí, elas irão se deslocar em vetores multidirecionais, em um percurso que se conclui também com as performers em linha, porém na parede lateral à qual começaram seu percurso, onde também se projetam vídeos. Nesse segundo momento, toda a precisão dos gestos de outrora dá espaço para corpos torcidos, colunas arqueadas, movimentos espiralados e com direcionamento e função incertas para quem observa, em uma qualidade de movimento que foi historicamente lida como própria ao feminino (basta ver as análises de fotografias das mulheres histéricas internadas ou os códigos e temas da dança moderna europeia e estadunidense para perceber tal relação entre arqueamento e o corpo feminino).

O trabalho mostra claramente seu interesse pelos códigos de fala e como eles estabelecem e perpetuam códigos de poder: os identificamos como pertencentes a imaginários específicos e opostos. Parece que a estrutura dramatúrgica e de encenação por vezes caminha em sentido da manutenção dessa diferenciação, em uma estrutura que se desenvolve sempre em um sentido dicotômico, no qual todas as escolhas parecem sublinhar a especificidade daqueles dois grupos de códigos e suas significações: os gestos retos e precisos, feitos com camisa branca e calça social, se dão em linha reta, com uma luz branca, dura e recortada de um projetor, culminando na quebra de um ovo, culturalmente associado à ideias de ciclo, nascimento e vida. Também a qualidade de execução possui uma ludicidade que por vezes parece criticar o gesto antes mesmo de sua execução, o que direciona bastante a leitura do público daquele repertório. Já o segundo bloco possui uma luz de tons mais quentes, que colabora com as espirais e torções do grupo, e nesse momento pedaços de roupa são tirados, pele se mostra, indicando uma aproximação menos racional (mãos, cabeças e fala) e mais sensual (órgãos, pele, suor) do corpo.

Mesmo o espaço cênico opera nessa dualidade: há duas frentes iguais, com projeção, ribalta de luz e um fundo branco, uma na lateral da outra formando o desenho de um L, sendo que na frente de cada uma há uma parte do público, formando outro L desse espaço quadrado. Tais escolhas curiosamente parecem manter uma perspectiva mais racional e menos sensorial de composição por toda a obra, mesmo em seu segundo bloco.

Nesse sentido, tem potência o vídeo que se apresenta, onde vemos uma ação simples de carimbar a letra “O” repetidas vezes em azul que, por vezes, é interrompida ou sobreposta à letra “D” em vermelho. Aqui se marca uma diferença que não se contrapõe ao “O” inicial (daquele ovo do início), mas que existe sobre ele, mantendo sua visibilidade ao fundo. Não é um ou outro, ou um depois do outro. É um sobre o outro, uma reinscrição que compreende que não há apagamento total da base de codificação que lhe dá referência, sugerindo que aquela estrutura organizacional que lhe dá base não se apaga mas é suplementada por um corpo estranho, que se ressalta.

Também vale notar o caráter de programa performático que a obra tem, pautando sua estrutura em um roteiro que se apresenta claramente e no qual é evidente as escolhas, propostas e caminhos. Tal objetividade, que remete aos scores dos anos 1970 da dança e da performance como os de Yoko Ono e Anna Halprin, sugere uma cena na qual todes poderiam ser performers e público ao mesmo tempo, a partir de postulados simples como “tente dar uma palestra com um ovo na boca e o quebre nas considerações finais”. Nesses elementos ou possibilidades da cena parecem estar sugestões ou pistas para encontrar aquilo que temos em nós e que habita o espaço entre esses códigos, um misterioso que se apresenta incerto e que transita entre esses polos de comunicação e sentido, que é ao mesmo tempo letra O e D, razão e emoção, exibição e controle, etiqueta e gula.

 

Visto no Sesc Avenida Paulista/ foto de Alípio Padilha

Liberdade partiturada, para “Plasticus Dei”

 

O solo Plasticus Dei, de Andreia Nhur, opera no tenso limite entre a potência e violência de se mostrar algo para outra pessoa (um dos principais princípios de trabalhos cênicos).

O trabalho possui uma cena bastante simples, com poucas variações de luzes de tons frios e uma encenação quase vazia, potencializada pelo pequeno espaço onde a peça foi apresentada no Sesc Consolação. A artista contracena com diversos sacos plásticos brancos de tamanhos diversos e, principalmente, com sua própria voz - tema de pesquisa central para as questões artísticas, acadêmicas e docentes de Nhur.

A figura que a artista cria em cena, bem humorada e polivalente, passa por diversos registros vocais e físicos, desde aquilo que codificamos culturalmente como sublime (como um canto lírico, por exemplo), até o que há de mais gutural ou infantil no nosso imaginário (sapos, cachorros, arrotos são vislumbrados com sons, caretas e movimentações espaciais). Esses conteúdos, sobrepostos e encadeados por uma lógica do absurdo, são somados a diversas imagens e ações que a artista sugere com os diversos sacos plásticos, que vão aos poucos construindo seu figurino e adereços cênicos – por vezes uma fantasia de carnaval, um vestido de gala, uma coroa, ou mesmo sacos de lixo farejados por um cão.

Se a execução desse material pode deixar o público estupefato pela infinita possibilidade combinatória dos materiais e pela destreza com a qual Nhur os realiza e transita por eles (algo que inclusive permite alcance da peça para públicos menos habituados à certa produção mais experimental), talvez seja preciso se colocar um pouco ao lado dessa aderência às modulações de presença que a artista habilmente executa para pensar sobre o que está de fato acontecendo em cena.

Pois seu núcleo dramatúrgico se estrutura por via da repetição e do acúmulo: a artista, no primeiro bloco da peça, grava todos os sons que fez em sua partitura inicial, e é essa partitura que se repetirá mais uma vez e meia (aproximadamente) dando a base para que Nhur acrescente novos sons e movimentações sobre aquela primeira camada sonora já bastante polifônica.

Nessa sobreposição vislumbramos ao mesmo tempo algo beckettiano, no sentido de um eterno retorno clownesco do que se vê em cena, mas também – e principalmente - a produção de uma lógica quase desesperada de produção de algo que chame a atenção, tão própria do nosso atual ambiente imediatista das redes sociais (bastante plástico seja no sentido do material dos celulares, da falsidade de seus conteúdos ou de seu apelo, afinal também as artes do visível são, sem problema algum, “plásticas”).

Alguns fatores ajudam nessa sensação: estamos o tempo todo como que convocados pela artista a prestar atenção unicamente em sua imagem e em sua ação e pelas modulações que ela propõe sem cessar, sem nunca poder derivar com mais calma por uma imagem ou sensação. É como se ela variasse em excesso o que deseja nos mostrar, sempre precisando produzir algo novo, mais rápido, mais bonito ou mesmo mais grotesco do que o que veio antes, fazendo girar sem parar a roda do interesse e mantendo nossos olhos abertos por mais tempo - independente se o que está sendo mostrado é vídeo de gatinho, assassinato ou “arte de verdade”. Sua performance então pode ser lida menos a partir da chave da virtuose e mais como uma crítica ao desempenho forçado e plastificado a qual todos estamos submetidos, desorientado e sem sentido.

Por isso é tão importante o fator da repetição de um mesmo módulo sonoro na obra. Todo aquele conteúdo multifacetado que vai do canto lírico ao cachorro não pode seguir até o fim em um jogo combinatório infinito, pois não é espaço de pura possibilidade e liberdade. Ele é também, em toda sua arbitrariedade, estrutura de um comportamento que se repetirá e que obriga o corpo a se pautar nele. Fica a pergunta para a artista e para o público sobre que corpo é esse que volta, de novo e de novo, se pautando em estruturas que pareciam sugerir liberdade, mas que muito rapidamente se tornam partitura.

 

Foto de Paola Bertolini

Visto no Sesc Consolação

A coluna que escorre, para “Encarnación”

 

Um corpo é sempre uma tentativa. Leituras mais atentas de Judith Butler, uma das principais pensadoras do nosso tempo, percebem que sua ideia de performance de gênero não é uma que fala sobre mera liberdade. Na verdade, o que ela nota é a identidade de gênero é uma repetição estilizada de atos no tempo e não uma identidade, o que constitui ao mesmo tempo a violência ilusória dessa performance e sua possibilidade de transformação, por tentativas de escolha acerca do que se repete e do que, subversivamente, se rompe.

Talvez seja isso que nos mostra Flow Kountoriotis em seu solo Encarnación, que ocorre em um corredor branco no qual o público assiste de ambos os lados. Lá, o performer executa quatro tentativas ou procedimentos para que seu corpo se apresente para nós, cujos términos são marcados por sua saída da área cênica e pelo retorno de seu corpo a um estado mais relaxado, como quem zera seus procedimentos para tentar de novo. O caráter beckettiano dessa produção se dá não apenas por essa lógica de tentar de novo e de novo fazer algo, mas pela própria solidão asséptica de seu corpo, como se estivesse sendo visto dentro de um espaço laboratorial de fortes luzes brancas, marcado pela transparência de plástico de sua calça e pelas estruturas metalizadas de seus sapatos, assim como por uma espécie de exoesqueleto metalizado colado em sua coluna vertebral. É como se tudo lá estivesse para se demonstrado demais (mesmo o que é invisível, como sua coluna), e mesmo o público e o espaço são convidados a se integrarem nesse experimento (o som da água que habita o Sesc Pompeia se torna trilha, e ao fim pequenos focos de luz iluminam parcialmente o público).  

A coluna parece ser o principal tema de investigação desse material coreográfico, que se torce em estruturas concavas e convexas criando outras possibilidades de sustentação do corpo nas quais as mãos habitam zonas sobre a cabeça, ou onde a cabeça habita entre os joelhos, distorcendo a orientação verticalizante que alça não apenas a dança à um ideal de mundo mas todo o aparato capitalista-cristão onde toda ação humana é um  trabalho visando a subida (bolsas de valores, prédios construídos sobre casa antigas, o pódio, o andar do CEO sempre mais alto...). Difícil não traçar um caminho entre essa dança e a também laboratorial proposição de Xavier le Roy em Self Unfinished (1998), dança que se dava entre as pesquisas em biologia molecular (campo de onde Roy atuava) e a coreografia. São casos onde o corpo se apresenta menos como performer e mais como experimento, algo indicado na fórmula da testosterona que lemos na sinopse da peça.

Esse(s) corpo(s) que se apresenta(m) como em constante trabalho sobre sua própria materialidade cotidiana rascunha outros modos de existência habitados por um corpo estranho, como aquele biológico que pode se instalar na laringe e produzir uma tosse, o animal que produz sonoridades reconhecíveis ou como aquele corpo espiritual que pode baixar repentinamente. Resta a pergunta sobre como convidar observadores não especialistas a acompanharem tais experimentos, por vezes difusos ou mesmo inaudíveis no amplo espaço onde o palco se monta.

 

O experimento final, que marca uma grande mudança na peça, introduz uma hipérbole das performances do feminino em nossa sociedade atual. Após uma buzina, que parece interromper seu experimento de forma objetiva, Flow volta coberto por uma roupa preta que cobre todo seu corpo e rosto, criando uma figura anônima com exagerados volumes na região da bunda e dos seios, usando também um salto alto. Essa última tentativa será próxima ao voguing, com uma música que repete incessantemente a palavra “pussy”. Independente do corpo que o agrega, esses códigos reificados do feminino não se localizam temporalmente (pois tal figura poderia sem mesmo a Vênus de Willendorf de 25 mil anos antes de cristo, também sem rosto e enorme seios e bunda), mas voltam com uma força que suspende, para o bem ou para o mal, todas as tentativas anteriores, criando um tempo e espaço mais apelativos e chamativos. Quando conseguimos não nos deixar encantar pelo ritmo da música e pela identificação imediata à uma cena mais recente de dança que o voguing sugere, podemos também entender essa figura como um doppelganger da primeira, uma réplica andante tão laboratorial quanto, mas da ordem do antagonismo, que rouba para si aquelas tentativas tão densas, se apropria delas e de lá tira um pocket show. Resta pensar sobre o porque ser ela, de coluna sempre tão ereta, que finaliza a obra de forma tão energética e nos entrega a última imagem anônima e encarnada.

Visto no Sesc Pompeia / Foto de Thaís Grechi

O corpo, alguma outra coisa, para “Underneath-1”

 

Underneath-1 é nomeada como uma performance de dança por FTMM – Felipe Teixeira e Mariana Molinos. Tal escolha de nome não é um maneirismo a fim de tornar a peça mais experimental, mas marca uma escolha da dupla em habitar, espacialmente mas também fisicamente, um lugar intermediário entre observar uma cena e uma coisa. A dança ocorre em um espaço de galeria - mais comum às artes visuais - dentro do qual a dupla se encontra em um chão branco de 3 por 5 metros cercado por uma fita amarela. O público, livre para se posicionar e se deslocar ao redor desse espaço protegido, vê a dupla se deslocar de forma contínua com seus corpos sempre entrelaçados. Vestindo roupas cotidianas de cores claras, com diversas camadas de peças que deixam a ver partes de seu corpo ou que possuem alguma transparência, os performers fazem de seus corpos unidos um constante revelar e esconder de partes que dependem não apenas de seu deslocamento, mas principalmente nosso posicionamento enquanto observadores. Precisamos optar por ver mais caso haja o desejo ou apenas abstrair aquela massa de corpos que circula aos nossos olhos, tornando-nos conscientes de nosso papel enquanto observadores (também aí há uma relação forte com a história recente das artes visuais, quando o minimalismo estadunidense passa a reconsiderar a presença de quem observa como elemento estruturante da experiência com a obra).

Tal devolução do olhar se integra a uma corrente de relações entre dança e espaço museológico que tem alguns expoentes internacionais como Tino Sehgal e Maria Hassabi e no Brasil experimentações recentes realizadas por artistas como o Coletivo Cartográfico e Translúcida Bruta. Tais experimentações sempre ocupam uma zona tensa entre habitar um espaço culturalmente pensado como próprio a outra linguagem e simulá-lo (no caso de Underneath-1, resta a pergunta se a separação de linóleo branco e fita é de fato necessária ou se apenas sublinha uma assepsia que já se encontra em tais espaços museológicos, que se pretendem separados do mundo).

 

O trabalho, apesar do caráter instalativo que nos convida a relacionar esses corpos com uma escultura, possui um desenvolvimento dramatúrgico simples mas eficaz. Experimentando essa estrutura de movimento na qual os dois corpos nunca se largam, os performers desenvolvem sutis variações de intensidade e presença: por vezes seu deslocamento é mais rápido e violento, em outros momentos seus olhares se abrem para a presença do público, além do próprio acúmulo de cansaço e suor que surge da insistência nessa mesma estrutura. Se tais variações podem parecer demasiado sutis para um olho não acostumado com dança, a trilha sublinha tal alteração através de um crescente que é poucas vezes interrompida, produzindo sensações de ápice para um material que se recusa a uma transformação integral – ou seja, que não tem ápice em si. É esse caráter de produção chave central para se pensar a obra, não apenas porque ela aproxima os corpos da condição de um objeto, mas porque opera aí uma distinção entre pornografia e erotismo.

Sendo que se trata de um homem e uma mulher, talvez a primeira camada de imagens da obra não consiga – e nem deva – se desprender desse imaginário pornográfico heterossexual que é forçosamente imposto a nós desde cedo (não só na pornografia em si mas em novelas, outdoors, revistas...). Mas, como Giorgio Agamben propõe, a pornografia não se caracteriza pelo sexo em si, mas pela evidenciação no rosto de quem desempenha de que aquilo é uma construção (os rostos para câmera e os diálogos malfeitos são estruturantes dessa organização do material). Pelo contrário, o erótico que pode se revelar ao longo dos minutos da coreografia não é construção de clímax (como a trilha faz, em importante contraponto). É, na verdade, uma deriva infinita na qual tudo o que vemos se deforma, se amplia e se mostra enquanto imagem nova: um cotovelo se encaixa na boca, um fio de cabelo se prende na orelha, de repente uma axila ganhou a escala de um monumento e uma gota de suor ganha o fluxo de um rio. Isso nitidamente acontece com os performers, que se perdem cada vez mais em si mesmos. E espera-se que o público tenha abertura para se perceber também nesse processo, no qual aquele corpo que se apresenta à visão, mesmo que reduzido aos códigos mais objetificantes possíveis, não para nunca de se apresentar como alguma outra coisa.

 

Por Renan Marcondes

Foto reprodução | visto na Oficina Cultural Oswald de Andrade

Sempre junto e nunca igual, para Cristian Duarte em companhia

Para pensar o trabalho do coreógrafo Cristian Duarte, é preciso estar atento às palavras: ao invés de afirmar que “tem” uma companhia, lemos (e vemos) que ele está sempre “em companhia” de outros artistas. Sua mais recente peça é marcada pela mesma sutileza do seu posicionamento sobre o que pode significar um grupo, pois o artista parece saber que nunca temos nada, mas que estamos sempre ao lado de muitas pessoas e coisas – visíveis ou não. Em seus últimos trabalhos, não apenas o corpo aparece cada vez mais como expositor de um grande catálogo de informações que se traduzem, de formas mais ou menos perceptíveis, naquilo que chamamos de movimento, mas é crescente o interesse por entender como essas composições particulares de informações se deslocam entre corpos de formas mais ou menos organizadas.

Em “E nunca as minhas mãos estão vazias”, sua mais recente criação produzida com apoio da Lei de Fomento à Dança para a cidade de São Paulo, vemos um grupo de performers das mais diversas formações artísticas executando texturas de movimento bastante particulares, como que escavando formas, dinâmicas e noções de movimento e som bastante diferentes entre si e que transitam de formas muito abstratas, códigos de danças diversas  (um grupo maior talvez reconheça um código de sapateado e um grupo menor talvez reconheça uma cena de Self Unfinished, do coreógrafo francês Xavier le Roy), até chegar em gestos e palavras de ordem pública: uma palavra “fora” ou um punho para cima escapam do ambiente da arte e apontam para o campo do cultural, daquilo que é compartilhado e reconhecível por todos. Esses rastros de ação humana vêm de um projeto intitulado Kintsugi (nome da técnica japonesa de reparar cerâmicas deixando evidente as imperfeições). Portanto, com o perdão do spoiler, parece central o evento final da dança, quando uma performer quebra um vaso e deixa seus cacos no chão, pois a peça parece se perguntar justamente como estar junto após um processo – violento - de intensa particularização da vida e desarticulação dos modos coletivos de presença.

A dança se dá através de um coro que se move ao longo de toda peça sempre junto, nunca igual, por vezes habitando uma onda ou outra de mesma intensidade, em um material que nunca se revela como puro improviso ou coreografia partiturada. Essa tentativa de coletividade, dispersa pelo grande espaço da Casa do Povo (SP) com uma luz que evidencia a escala e profundidade da sala de paredes brancas, se permite dividir a atenção de quem olha, sendo protagonista e fundo o tempo todo: é muito fácil se perder em algum movimento reconhecível ou de maior alcance e perder muito do resto, para logo após ser chamado por um som, um movimento em conjunto ou uma mudança de dinâmica geral desse coro. O solo onde se dança torna-se, aos poucos, um caldeirão onde coexistem futebol, moda, dança clássica, carnaval, modernidades, o tradicional, mas também o medo, o grito, a manifestação, a exibição, o grotesco e o privado. Tem o dado de construção e ruína constante dos trópicos, conseguindo a difícil tarefa de ser muito sincero sobre a condição de um Brasil pós governo Bolsonaro, usando inclusive de clichês de brasilidade, e conseguir não tornar a peça um clichê de Brasil em si (talvez para a tristeza de curadores internacionais). O que ela é: uma grande zona - como nosso país (e claro, cabe a você que lê ler essa palavra como “área” ou como “bagunça”).

Talvez por isso haja um dado trágico na peça, como se estivéssemos sempre começando de novo, tentando juntar os cacos e subir a rampa, reconstruir o museu, reabrir o edital, receber o pagamento. Esse dado se vê no impasse entre ensaios de gestos coletivos que irrompem o espaço em sua simplicidade (como correr de um lado para outro em fila) e uma espécie de looping autorreferencial ao qual cada performer está submetido, como uma competição onde não se sabe as regras, o júri e o prêmio (que provavelmente nem existe). Mas é nessa desconversa, nesse trabalho de elaboração constante sobre si – mesmo que forçado - e de descoberta do que está sendo enfiado nisso que cada um de nós chamamos de corpo (não suas matérias apenas, mas seus afetos) que, vez ou outra, reconhecemos algo em comum, decidindo iluminar alguém ou levantar um corpo para, acima dos outros, ser momentaneamente mais visível.

Assim, esse elenco de diversos corpos, formações em dança, gênero e raça jamais afirma (como parecem pedir aqueles que nos pagam, quando pagam) que é a performatividade meritocrática e competitiva do criativo particular que irá nos salvar. Mas também não sucumbe ao princípio conservador que só permite ao corpo que dança se apresentar como proprietário de um saber que seu público não tem – treinado, consciente, controlado, pronto, “limpo” e “sem barriga”. O que faz é partir de ambos os espectros para criar algo que seduz não pela força, mas pelo descompromisso por uma alegria quase infantil de ainda conseguir se mover desenfreadamente em meio à dúvida. Pois, como canta Maria Bethânia nos versos que inspiram o título da obra, “apesar das ruínas e da morte” que marcam a história do nosso país e que vieram para a superfície nos últimos anos, há uma força que permite encontrar em “tudo” o que há ao redor – mesmo naquilo de mais baixo, horrível e duvidoso – o renascimento da exaltação.

 

Por Renan Marcondes  

 

A liberdade na mandíbula, para o espetáculo “Corpos velhos – para que servem?”

 

A peça “Corpos velhos – para que servem?” se propõe a juntar dez de várias das figuras centrais para a história da dança de São Paulo e do Brasil, apresentando o atual modo de elaboração e desempenho de seus repertórios pessoais, construídos ao longo de mais de cinquenta anos de trajetória. Com direção de Luis Arrieta, a peça é dividida em dois núcleos: o primeiro é constituído por um vídeo em preto e branco que apresenta um pouco do processo de ensaio e de algumas questões centrais que atravessam a obra. Já no segundo, vemos esse grupo alinhado em uma fila de cadeiras de frente para o público, sendo dessa configuração que partem seus movimentos solos, pequenas danças conjuntas e procedimentos coletivos que evidenciam não apenas o acúmulo de trabalho sobre aqueles corpos, mas também as diferentes histórias que esses corpos contam e que marcaram a produção de dança de São Paulo.

O espetáculo comumente é lido como uma celebração dessa história em uma sociedade ainda tão relutante em integrar corpos velhos em seu tecido produtivista e descartável, e se encaixa em uma tônica da nossa cena atual (podemos pensar, por exemplo, em obras como “Mãos trêmulas” e “Bom dia eternidade”, no campo do teatro). Vislumbramos, por exemplo, o Ballet Stagium na figura de seus fundadores Décio Otero e Marika Gidali, assim como as pantomimas do Balé do IV Centenário nas figuras de Neyde Rossi e Yoko Okada, apenas para citar alguns dos pontos marcantes da história da dança que alguns daqueles corpos representam. Essa leitura é correta, dado que é um dos seus principais objetivos, mas há algo para além da exibição espetacular de tudo aquilo que aqueles corpos “ainda conseguem fazer e lembrar, mesmo que velhos”. Diria que a peça nos convida a pensar para além do termo “apesar de...”. Quando nós, enquanto público, paramos de nos impressionar com alguma demonstração de técnica ou controle “apesar de...” ou operar com algum tipo de complacência em relação à função celebratória de tal obra (que nos deixa em uma posição no qual tudo que veremos deve ser bom de antemão apenas pelo intuito que a envolve), passamos a perceber um inesperado tom grave e um tanto árido na forma de apresentação do espetáculo.

Já no longo primeiro bloco com o vídeo em preto e branco a registrar ensaios, as filmagens grandiosas de detalhes das mãos e peles desses corpos aos poucos dá margem para uma concretude dos impasses de deslocamento, do cansaço e do mau humor, ou mesmo das diferentes formações e entendimentos de dança precisando estabelecer um diálogo em vistas da criação de algo em conjunto. Esse vídeo também opera nos acostumando com uma temporalidade alargada, que se manterá por todo o segundo bloco. Mas, sabiamente, não está nos movimentos a distensão temporal, mas sim nos aparatos de encenação: é interessante notar como a trilha e a iluminação transformam o palco em uma espécie de caixa de música quebrada, deixando o ambiente e os artistas quase como autômatos. Na penumbra de grande parte do segundo ato, tudo lá se repete de forma mais ou menos nítida: os movimentos de luz recomeçam depois de um tempo de cena; a trilha parece um rádio a transitar indefinidamente de estação e encontrar apenas as mesmas músicas; e mesmo algumas danças, quando fora dos momentos solo, recuperam temas recentemente vistos.

Há, é claro, uma camada de celebração, mas sem a alienação da festa. É um rito de outra ordem que se estabelece, sem melancolia e quase com a violência de uma guerra, com os pés firmes no chão em relação ao que é factual naqueles corpos e o que eles demandam de nós que olhamos para eles (e que eu duvido ser complacência). Nesse sentido é importante pensar como a dramaturgia se estabelece através de uma saída dessa linha de cadeiras onde todos estão mais confortáveis e sozinhos, para um grupo de pé que, apoiados uns nos outros, se encaminha, com calma e certeza, para a boca de cena. Vemos enfim, ao fim da obra, um coletivo e movimento, que volta para nós e nos encara, possivelmente querendo menos nossas palmas e mais nossas vísceras. E, unidos em outro tempo de vida que não a da maior parte do público, esse coro que se forma nos mostra que talvez valha menos a pena a celebração de uma trajetória individual do que aquilo que se constrói em rede, mesmo com tantas diferenças.

Esse caráter um tanto sombrio, que vai menos mostrando e mais revelando, faz com que a obra torça a sua própria intenção de sua criação (algo, a meu ver, que é uma das coisas mais brilhantes que se pode acontecer em um processo criativo, que evidencia a profunda alteridade entre sujeitos criadores e aquilo que se cria). O rito celebratório se torna, repentinamente, uma marcha de guerra, uma missão - curiosamente comentado com a música dos agradecimentos -  e aqueles olhos a quem sempre foi preciso agradar para sobreviver (críticos, audiência, financiadores etc.) de repente não importam mais e podem enfim ser desafiados. Essa sutil violência (talvez “poder” seja um bom termo aqui também) faz da pergunta que intitula a obra também um ataque ao próprio público, pois um corpo precisaria “servir” para algo? Oras, muitas vezes a relação que se estabelece entre artista, arte e público, ainda mais em um tempo de consumo como o nosso e em linguagens marcadas de forma mais forte pela tradição, é a da serventia: o artista precisaria servir para fazer aquilo que a arte lhe demanda, ou precisaria servir aos interesses e desejos de seu público (seja lá qual for).

A peça nos faz duvidar de tais premissas. E nos lembra de uma reflexão presente no texto “Um artista da fome”, de Franz Kafka:  lá, um artista performático que jejuava para seu público percebe uma mudança contextual em relação ao que eles desejam ver. Suas performances perdem interesse e ele acaba indo trabalhar no circo, cuidando dos animais entre os atos. Antes de morrer, na jaula de um dos animais, ele afirma que nunca jejuou para agradar seu público, mas sim pelo simples motivo de que não havia comida nenhuma que o agradasse. Nessa dança o subtexto parece semelhante: o contexto de dança mudou, assim como os corpos que a executam e as premissas de seu fazer (e, sem conservadorismos, há também o que se celebrar nesse fato). Mas para quem se moveu e se move durante cinquenta anos ou mais em uma terra movediça com a nossa, tem algo que opera além do contexto e dos interesses e ondas que ele produz: esse algo é fome de alguma coisa que não se sabe bem o que é. Resta desistir de agradar e tentar abocanhar seu público.

Por Renan Marcondes

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